Por Alon Feuerwerker
Em vez de discutir o apoio a tal ou qual candidato, a UNE deveria numa próxima reunião homenagear o Fredo Ebling, cujo voto 30 anos atrás permitiu ao “U” da sigla estar até hoje em vigor, para valer
Corria o ano da graça de 1980 e a diretoria da União Nacional dos Estudantes estava reunida no DCE da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), em Vitória, para tomar posição diante da reforma partidária imposta — ou segundo outras versões permitida — pelo governo João Figueiredo. A UNE fora reconstruída um ano antes e compunhamos a primeira direção, eleita pelo voto direto. Já eram os ventos da abertura a soprar.
A diretoria de 15 integrantes era complicada que só. Todos militantes ou simpatizantes de grupos e partidos que uma década antes tinham aderido à luta armada. Um assunto superado pela vida, mas as diferenças políticas persistiam. Parte pendia para o nascente PT, que outros acusavam de ser subproduto da manobra de Figueiredo para dividir o MDB (Movimento Democrático Brasileiro, única oposição partidária permitida pelo regime até então).
Mas havia duas tendências entre os “peemedebistas”, que defendiam a necessidade de a oposição continuar unida no PMDB, sucessor do MDB. Uma argumentava que o PDT, o PTB e o PT, nascidos da reforma figueiredista, eram iniciativas legítimas, e que portanto a UNE não deveria se alinhar a nenhuma sigla. Outros exigiam que a entidade apoiasse explicitamente o PMDB, segundo eles “o único partido da oposição”, pois os demais haviam aceitado a divisão patrocinada pelo regime e tirado vantagem dela.
Ano passado, a UNE comemorou 30 anos da reconstrução e um punhado daqueles diretores reunimo-nos em Porto Alegre, numa homenagem bacana organizada pelo deputado estadual Adão Villaverde (PT). E lembramos entre boas risadas daquela reunião no DCE da UFES. Por que as risadas? Por causa das manobras heterodoxas de obstrução colocadas em prática pela parte da diretoria que, em certo momento, viu-se minoria. A tática era arrastar a pauta sem decidir nada, até que chegassem os diretores ainda ausentes. E que fariam a maioria pender para o nosso lado.
No fim deu certo. Depois de três dias inteiros de sumiços convenientes para derrubar o quorum, de infinitas questões de ordem e de encaminhamento intervaladas por discursos irados e intermináveis sobre todos os assuntos possíveis, o Fredo Ebling finalmente desembarcou vindo de Porto Alegre e nos garantiu a maioria de um voto. E pela diferença de um mísero voto decidimos não decidir nada. E a UNE não se alinhou a nenhum partido.
Olhando retrospectivamente, talvez tenha sido a decisão mais importante e correta da UNE desde sua reconstrução, naquele bonito e bem brigado 1979. Porque, diferente do movimento sindical, a entidade nacional dos estudantes não se fragmentou. Não há uma UNE do PT, uma do PCdoB, uma do PSDB ou uma do Democratas. É quase inacreditável, mas todas essas forças políticas continuam aglutinadas até hoje numa única “central sindical” estudantil. Deve ser o único lugar no Brasil em que todos convivem em relativa paz.
Vejo agora no noticiário que a UNE deve discutir por estes dias uma proposta de apoio à candidatura da ex-ministra Dilma Rousseff. Eu duvido que a própria candidata tenha algo a ver com isso. Deve ser coisa das disputas político-partidárias que fazem a alma do movimento estudantil, aqui e em qualquer outro lugar do planeta. Mas há essa proposta.
A UNE tem lá seus problemas, como todo mundo. Nos últimos anos vem apoiando a administração de Luiz Inácio Lula da Silva. Alguns dizem que é por causa das verbas recebidas, mas, pelo que eu conheço, a acusação é injusta. A explicação é outra: as correntes político-partidárias que comandam majoritariamente a UNE estão com Lula, e estão no governo Lula. Como ocorre, por exemplo, com a maioria das entidades sindicais empresariais. E que não são criticadas.
Mas esse detalhe tem menos importância histórica. O governo Lula vai passar e a UNE continuará. Fundamental é ela persistir ao menos com a ambição de representar todos os estudantes, detalhe indispensável para manter abertos os canais de diálogo com o conjunto do universo estudantil.
Por isso, em vez de discutir o apoio a tal ou qual candidato, a UNE deveria numa próxima reunião homenagear o Fredo Ebling, cujo voto 30 anos atrás permitiu ao “U” da sigla estar até hoje em vigor, para valer.
É fácil encontrá-lo. Se quiserem, posso fornecer os contatos.
Seria mais inteligente. Além de inteiramente justo.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada nesta sexta (23) no Correio Braziliense.
Fonte: Blog do Alon
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