terça-feira, 6 de abril de 2010

Recado na Rodoviária do Plano Piloto

Por Apolinário Rebelo

Quarta-feira, 30 de março, uma dessas tardes chuvosas e meio fria de Brasília. Estive entre 17h e 18h na Rodoviária do Plano Piloto distribuindo um folheto da campanha de filiação do PCdoB/DF. Uma parte dos companheiros atrasou. Como tinha compromissos em seguida cuidei logo de fazer minha parte. Peguei um bolo de panfletos e fui percorrer as filas.



 Dirigi-me a primeira fila e cumprimentando as pessoas com uma boa tarde entregava o folheto de mão em mão a partir da entrada do ônibus até o fim da fila e assim segui em todas as linhas dos locais que percorri.

O olhar e a expressão das pessoas eram de indiferença, incredulidade, desconfiança e alguns até expressavam certa hostilidade. Alguns se recusavam a estender a mão, não olhavam ou fingiam que não me via. E assim fui caminhando por todos os cantos e observando o comportamento das pessoas.
Ficava imaginando o que elas gostariam de me dizer. Alguns, sentia, tinham vontade de xingar, desabafar, ofender ou falar qualquer coisa que lavasse sua alma envergonhada de tantos escândalos na política.

Havia os que olhavam achando estranho como se fosse campanha eleitoral. E assim eu percorria o caminho traçado. Devo ter me dirigido e cumprimentado mais de mil pessoas. Após alguns instantes olhei para trás e vi que muitos liam o folheto, poucos jogaram fora. Dava a impressão que liam mais por curiosidade e para passar o tempo do que por interesse em saber o que estava escrito de fato.

Até pensei que fosse ouvir algum questionamento, algum desaforo, desabafo ou qualquer coisa que ofendesse a política ou mesmo que estava ali panfletando. Mas o silêncio e a indiferença eram sepulcral. Passei a me deter mais em cada pessoa que me dirigia, a encará-la, olhar nos olhos para provocar alguma reação. Nada.

Depois de quase meia hora uma mulher na faixa dos sessenta anos, já na hora de embarcar no ônibus, dirigiu-se a mim. Bom, pensei, agora vai rolar uma polêmica. Que nada, ela olhou para mim e disse:
- Meu filho, isso não é serviço para você. Me paga que distribuo essas coisas aí. É da política né? Eles já estão chegando né? Esse ano tem política né? Eu que preciso.
Sem dizer mais nada e sem me dirigir o olhar novamente, entrou no ônibus. Prossegui minha tarefa.

Logo mais adiante desceu um motorista e puxou assunto.
- Ah é do PCdoB? Já votei nuns caras de vocês. Gosto muito do Partido. Fui filiado ao PT mas hoje não sou mais nada. O sindicato não faz nada, ninguém faz mais nada. Veja a nossa situação. Tomamos multas quase todos os dias. As placas de aviso dos pardais ficam muito em cima. Não dá para parar. Quer dizer, dá para parar carro pequeno mas o nosso não. Um ônibus desses pesa 14 toneladas, cheio são mais seis toneladas, 20 toneladas no total. Como frear isso tudo em poucos metros? Além do mais, temos que andar rápido para cumprir horário nas paradas. Se andarmos devagar correremos o rico de ser demitido, se corremos tomamos multa, se tomarmos multa contam os pontos nas carteiras, perdemos a habilitação e não podemos trabalhar. E ninguém faz nada, o sindicato não faz nada.

Pedi seu nome e seu telefone. Ele me olhou e disse:
-  Anota aí meu nome. Vá lá na parada do Paranoá que todo mundo me conhece. Se quiser alguma coisa me procure, se quiser fazer alguma coisa faça. Mas ninguém faz mais nada nessa cidade por ninguém.
Nesse momento chega um fiscal da empresa avisando que deveria partir pois ele estava no horário. O motorista virou-se e o assunto morreu ali.

E assim foi minha hora de panfletagem. Dois diálogos apenas. E saí dali pensando sobre o que mais se passa na cabeça das pessoas da nossa capital. Era como se as pessoas estivessem a par das coisas, soubessem dos escândalos, se sentissem envergonhada deles, mas também não estavam a fim de falar sobre isso.

Era como se dissessem que não queriam ouvir falar de política pois entra ano e sai ano e as coisas pouco mudam. Ou que os políticos são todos corruptos e só aparecem em ano de eleições. Imagino que as eleições desse ano no DF serão das mais difíceis. As pessoas acreditam cada vez menos na política e em seus atores.

Penso que, dos problemas causados pelos escândalos recentes de Brasília, a descrença, a indiferença e a rejeição pela política sejam os maiores dos prejuízos. Eles mexeram com o sentimento, com a esperança, com a fé das pessoas.

Esse é o maior dos danos. O dinheiro pode até ser recuperado. Os corruptos podem perder mandato, patrimônio e mesmo ir para a cadeia. Mas o maior estrago foi na alma da cidade, a ferida profunda aberta no coração de Brasília em pleno cinqüentenário. A exposição danosa de sua imagem perante o Brasil e o mundo. Esse dano não tem preço.

Os próximos governantes, deputados, senadores, devem ter a obrigação patriótica, política, ética e moral de reconstruir a imagem de Brasília perante seu povo, seu país e pelo mundo. É obra para gerações, mas devemos começar desde já. O início é inadiável.

Apolinário Rebelo é jornalista, escritor e vice-presidente do PCdoB/DF.

Fonte: http://www.apolinariorebelo.com.br

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